Passam este ano 50 anos sobre a morte de Corrado Feroci (1892-1962), sobre quem já aqui
havíamos falado noutra altura. Pouco conhecido entre nós, mas um
gigante - daqueles que aparecem de século a século - que foi tudo e em
tudo foi genial. Este florentino arrostou todas as incompreensões e até
perseguições, sacrificando uma vida intensa de trabalho pelo amor à
arte e à Tailândia, a sua segunda pátria, onde viveu e se naturalizou.
Foi Feroci quem introduziu a história da arte, a crítica de arte, o
ensaísmo e o ensino académico das belas-artes no país; foi Feroci o
pioneiro da arqueologia científica, da museologia e das técnicas de
restauro e conservação. Foi, também,escultor, ceramista, decorador,
pintor, ilustrador e muralista. Foi, sobretudo, professor, um homem de
vida quase espartana que nunca faltou a uma aula e chegava à
universidade de bicicleta, mesmo nos dias em que envergava a soberba
farda de alto funcionário do Estado.
É notável como pôde um homem só fazer tanto com tão poucos meios - sem
bibliotecas, sem arquivos, sem assessores, quase sem orçamento - e como
conseguiu deixar tantos discípulos e um sulco tão profundo num país que
lhe ficou eternamente grato.
Eu tenho uma explicação; ou antes, duas. O tempo é breve, e se não
fazemos aquilo para o qual fomos escolhidos pelo destino, ninguém mais o
fará. Depois, o dinheiro e a falsa fama acabam. Só os grandes espíritos
vivem para além do seu tempo. Feroci inventou tudo, foi tão convincente
que o que sonhou se transformou na Tailândia de hoje. Nos tempos que
correm, da plutocracia desvairada, da arte-negócio e das "indústrias
culturais", é quase impossível que homens destes surjam. A arte, a
cultura e o ensino são aristocráticas por antonomásia. Ai de quem os
queira transformar em meras mercadorias. Aqui está o epitáfio da
cultura.