Os Jovens Mágicos - Uma Fábula Breve
A Arte corresponde aos estados de vigor animal. Por um lado, é o excesso de uma constituição
florescente que se desentranha no mundo das imagens e dos desejos; por outro, é a excitação
das funções animais mediante as imagens e os desejos de uma vida intensificada, uma
sobrevalorização do sentimento da vida e um estimulante desta"
(Nietzsche in "O Nascimento da Tragédia").
FAUNA – Ato I - VIGOR ANIMAL/EXCESSO
Cantaram a cantiga do Infinito numa capoeira,
sem esperar que lhes abrissem a porta:
Sabes que neste mundo
Não há homens perfeitos
Nem mesmo os muito contentes consigo próprios
Em plena surtida com os seus camaradas libertários,
acenderam fogos
e formaram cortejo em direção à Lua
uma vez que ali
bem no centro da possibilidade do soco sumário
Ninguém lhes deu perdão.
FAUNA – Ato II - IMAGENS/DESEJOS
Um discurso político
Mas de índole pessoal
Que reflita a visão
do mundo de quem cria
um discurso artístico
uma linha comunicante
um traço que una o olhar
ao coração das coisas
Os dados estão lançados à procura da sétima face: o olhar do outro.
FAUNA – Ato III - VIDA INTENSIFICADA
Fecha-se o círculo: Vontade
Necessidade Dependência Perdição
O pomo vermelho da nossa tentação
Encontrámos a rima, não ainda a solução.
P.S: esta pequena fábula faz-se de versos roubados aos senhores poetas Fernando Pessoa, Mário Cesariny, Carlos
Drummond de Andrade, Júlio Miguel e Lêninha.
OUTRO MODO DE CANTAR AS COUSAS
A PARTIR DO FIM
RUMO AO PRINCÍPIO
3. SÃO ROSAS, SENHOR, SÃO ROSAS
a fauna das artes
De plumagem vistosa
mas rendidos à gravidade da circunstância
(que lhes pesava nos ombros e na parte de trás da alma)
invadiram um espaço onde não se passaria coisa nenhuma
para chamar a atenção para um espaço – outro
como se não fosse nada porque nunca é nada afinal
regras para o convívio no parque humano
O observador pode perguntar à obra: o que me queres tu dizer?
Mais digo, a obra deve responder: o que te posso eu dizer?
Não deixem que o artista estrague esse encontro
Nem, já agora, que o promova.
cantata para a trivialidade semântica
Camões, que salvou a pátria a nado
É hoje o nosso parasita sagrado
o fim da fauna e o princípio do mundo
as maçãs repousando
sob o olhar atento da cobra
já só falta humanidade
2. PENSAR EM TODOS OS LADOS DA CAIXA
como explicar arte a uma lebre morta
o artista animal
visita a jaula
do artista institucional
que lhe rosna de cima
o sonho europeu
a exposição reflete
as tendências da arte
desde o pós-II Guerra Mundial
até à atualidade,
incluindo obras
de artistas portugueses
e estrangeiros,
históricos e contemporâneos,
consagrados e jovens
Nota: “e” é uma conjunção copulativa que une ou liga uma coisa a outra
em não se tratando de inconstitucionalidades.
o método sem discurso
pelos cantos
pelo chão
pelos bancos
como se tudo fosse
E fosse agora
E fosse deles
Contornando
onde os outros
traçam fronteiras
1. JÚLIO MIGUEL E LÊNINHA
porque no peito dos desafinados
não consta do cânone
das mais belas
músicas para coro
e a afinação não foi
definitivamente
a mais adequada
a acústica da sala
não era a melhor
o eco
o eco
o eco
e os olhares de pedra
filosofia de massas
o que não
se pode dizer
deve-se calar,
já dizia o Ludwig
a banda a passar
a banda desanda
a banda desbunda
regressa ao éden
sem pressa nenhuma
a banda a andar
para longe do bando
que nem via a banda
passar
a banda
passa
PODENDO SERVIR DE POSFÁCIO
intro, meditação e cappuccino
na estação das camionetas há
uma máquina de café
múltiplas ofertas descritas
por palavras ao lado de
um botão redondo
eu sou da geração que
carrega nas palavras
tempus fugit a toda a brida
a perícia não é eterna
só vale a pena ser poeta
enquanto modo de vida
o demais, nem por acréscimo
metafísica do umbigo
vem aí o Fim do Mundo
não sei se vale a pena
engraxar as botas
dress code
a arte não é um par de meias
não lhe peçam que seja confortável
inventário breve de coisas que ficarão
1. o ato
2. a forma
3. o fogo
4. a cinza
5. o confronto
6. o desconforto
7. um sorriso quebrando o gelo
8. o caminho a fazer-se
9. a pedra no meio do caminho
10. o ir
11. o voltar
12. a nossa ideia de mar
13. o som do obturador
14. uma mão sobre o ombro
15. a corda
16. a caixa
17. o azul de onde vêm
18. o azul para onde vão
19. o chão
20. o círculo que se fecha
21. uma maçã tentadora
(JF-Jorge Ferreira)
acabou
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