PLANÍCIE

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

quinta-feira, 9 de março de 2023

 

Os Jovens Mágicos - Uma Fábula Breve

 

A Arte corresponde aos estados de vigor animal. Por um lado, é o excesso de uma constituição

florescente que se desentranha no mundo das imagens e dos desejos; por outro, é a excitação

das funções animais mediante as imagens e os desejos de uma vida intensificada, uma

sobrevalorização do sentimento da vida e um estimulante desta"

(Nietzsche in "O Nascimento da Tragédia").

 

FAUNA – Ato I - VIGOR ANIMAL/EXCESSO

Cantaram a cantiga do Infinito numa capoeira,

sem esperar que lhes abrissem a porta:

Sabes que neste mundo

Não há homens perfeitos

Nem mesmo os muito contentes consigo próprios

 

Em plena surtida com os seus camaradas libertários,

acenderam fogos

e formaram cortejo em direção à Lua

uma vez que ali

bem no centro da possibilidade do soco sumário

Ninguém lhes deu perdão.

 



FAUNA – Ato II - IMAGENS/DESEJOS

Um discurso político

Mas de índole pessoal

Que reflita a visão

do mundo de quem cria

um discurso artístico

uma linha comunicante

um traço que una o olhar

ao coração das coisas

Os dados estão lançados à procura da sétima face: o olhar do outro.

 


FAUNA – Ato III - VIDA INTENSIFICADA

Fecha-se o círculo: Vontade

Necessidade Dependência Perdição

O pomo vermelho da nossa tentação

Encontrámos a rima, não ainda a solução.

P.S: esta pequena fábula faz-se de versos roubados aos senhores poetas Fernando Pessoa, Mário Cesariny, Carlos

Drummond de Andrade, Júlio Miguel e Lêninha.

 


OUTRO MODO DE CANTAR AS COUSAS

A PARTIR DO FIM

RUMO AO PRINCÍPIO

 

3. SÃO ROSAS, SENHOR, SÃO ROSAS

a fauna das artes

De plumagem vistosa

mas rendidos à gravidade da circunstância

(que lhes pesava nos ombros e na parte de trás da alma)

invadiram um espaço onde não se passaria coisa nenhuma

para chamar a atenção para um espaço – outro

como se não fosse nada porque nunca é nada afinal

regras para o convívio no parque humano

 


 

O observador pode perguntar à obra: o que me queres tu dizer?

Mais digo, a obra deve responder: o que te posso eu dizer?

Não deixem que o artista estrague esse encontro

Nem, já agora, que o promova.

cantata para a trivialidade semântica

Camões, que salvou a pátria a nado

É hoje o nosso parasita sagrado

o fim da fauna e o princípio do mundo

 


 

as maçãs repousando

sob o olhar atento da cobra

já só falta humanidade

 


2. PENSAR EM TODOS OS LADOS DA CAIXA

como explicar arte a uma lebre morta

 


 

o artista animal

visita a jaula

do artista institucional

que lhe rosna de cima

o sonho europeu

 


 

a exposição reflete

as tendências da arte

desde o pós-II Guerra Mundial

até à atualidade,

incluindo obras

de artistas portugueses

e estrangeiros,

históricos e contemporâneos,

consagrados e jovens

Nota: “e” é uma conjunção copulativa que une ou liga uma coisa a outra

em não se tratando de inconstitucionalidades.

 

o método sem discurso


 

pelos cantos

pelo chão

pelos bancos

como se tudo fosse

E fosse agora

E fosse deles

Contornando

onde os outros

traçam fronteiras

1. JÚLIO MIGUEL E LÊNINHA

porque no peito dos desafinados

não consta do cânone

das mais belas

músicas para coro

e a afinação não foi

definitivamente

a mais adequada

a acústica da sala

não era a melhor

 


 

o eco

o eco

o eco

e os olhares de pedra

filosofia de massas

o que não

se pode dizer

deve-se calar,

já dizia o Ludwig

 


a banda a passar

a banda desanda

a banda desbunda

regressa ao éden

sem pressa nenhuma

a banda a andar

para longe do bando

que nem via a banda

passar

a banda

passa

 

PODENDO SERVIR DE POSFÁCIO

intro, meditação e cappuccino

na estação das camionetas há

uma máquina de café

múltiplas ofertas descritas

por palavras ao lado de

um botão redondo

eu sou da geração que

carrega nas palavras

tempus fugit a toda a brida

 


 

a perícia não é eterna

só vale a pena ser poeta

enquanto modo de vida

o demais, nem por acréscimo

metafísica do umbigo

vem aí o Fim do Mundo

não sei se vale a pena

engraxar as botas

dress code

 


 

a arte não é um par de meias

não lhe peçam que seja confortável

inventário breve de coisas que ficarão

1. o ato

2. a forma

3. o fogo

4. a cinza

5. o confronto

6. o desconforto

7. um sorriso quebrando o gelo

8. o caminho a fazer-se

9. a pedra no meio do caminho

10. o ir

11. o voltar

12. a nossa ideia de mar

13. o som do obturador

14. uma mão sobre o ombro

15. a corda

16. a caixa

17. o azul de onde vêm

18. o azul para onde vão

19. o chão

20. o círculo que se fecha

21. uma maçã tentadora

 (JF-Jorge Ferreira)


 

acabou

 



Mas o olhar da bruxa bela diz que ainda é só o início.

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